O anúncio do ministro Luís Roberto Barroso de que vai se aposentar do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) reaqueceu a disputa pela cadeira. Com a nova indicação – que deve ser aprovada pelo Senado –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá indicado três ministros neste terceiro mandato. Entre os atuais 11 integrantes do tribunal, ele também indicou Cármen Lúcia, em 2006, e Dias Toffoli, em 2009, durante seu segundo mandato na Presidência. Ou seja, somando todas as escolhas, Lula terá nomeado cinco dos 11 membros da Suprema Corte.
No páreo pela vaga estão o advogado-geral da União, Jorge Messias; o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas.
O candidato do Prerrogativas, grupo de advogados que tem forte influência em nomeações do governo, é Messias, pela proximidade e confiança que tem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esse foi o principal critério do petista, aliás, para as indicações de Cristiano Zanin e Flávio Dino.
“O nome natural é o Messias. Tem espírito público, reúne as qualidades técnicas indispensáveis para ocupar o cargo. Tem sensibilidade social e tem o apoio de partidos da base, do PT, de ministros de tribunais superiores. É um nome absolutamente talhado para ocupar essa posição”, disse o fundador do Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, ressalvando que o grupo apoiará qualquer outro nome distinto.
Como AGU, Messias defende o governo junto ao STF e, desde sua nomeação, no início de 2023, tem conquistado simpatia na Corte, principalmente pelo alinhamento a uma das principais bandeiras dos ministros nos últimos anos: a regulamentação mais rígida das redes sociais para “combater a desinformação”. Como o Congresso se recusa a aprovar uma legislação que amplie o ambiente de censura sobre críticas dirigidas às autoridades, o STF tomou a frente em nome da “defesa das instituições”.
Messias colaborou com pareceres junto ao STF e também com estudos para subsidiar propostas do Executivo sobre o tema no Legislativo, além de iniciativas dentro da AGU para defender o governo sob o discurso de enfrentar “a descredibilização de políticas públicas” e, com isso, reforçar a versão oficial sobre medidas adotadas.
Por meio da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, que Messias criou, a AGU passou a notificar redes sociais a remover postagens que desagradam o governo e também acionar a Polícia Federal para investigar os autores.
No STF, Messias também ganhou apoio por estudar uma forma de proteger Alexandre de Moraes da sanção da Lei Magnitsky – a AGU trabalha num projeto de lei, defendido por Gilmar Mendes, para que a aplicação de restrições que sancionados sofram no Brasil por parte de bancos e empresas passe antes pelo crivo do Judiciário.
Rodrigo Pacheco, por sua vez, tem simpatia dentro do STF, porque blindou os ministros no período que presidiu o Senado, recusando sucessivos pedidos de impeachment – gostam dele Barroso, Moraes, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Advogado, Pacheco também ganhou projeção dentro da classe pelo empenho na reforma do Código Civil, proposta formulada por um grupo de juristas que montou no Senado em 2023. O projeto, porém, é objeto de críticas no meio jurídico.
Apesar de sonhar com o STF, Pacheco pode ser escalado por Lula para disputar o governo de Minas e dar ao presidente um palanque no estado na eleição de 2026.
Por fim, Bruno Dantas tem apoio do Centrão. Ex-consultor do Senado, chegou ao TCU pelas mãos de Renan Calheiros (MDB-AL). No início do governo Lula, ganhou projeção por colaborar com a transição com relatórios detalhados sobre a situação da administração pública ao final do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em 2023, liderou auditorias no Cadastro Único (CadÚnico), que identificaram concessão irregular de benefícios sociais, no programa “Minha Casa Minha Vida” e em recursos emergenciais para o Rio Grande do Sul após desastres causados pelas chuvas.
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Barroso prefere mulher para a cadeira que deixa no STF
Em entrevista à imprensa após anunciar sua saída, Barroso disse que há nomes de peso aptos para ocupar sua cadeira, mas que gostaria que uma mulher fosse indicada.
“Sem fazer uma escolha pontual para essa vaga, que é uma competência do presidente, sou um defensor de mais mulheres nos tribunais superiores como uma regra geral. A resposta é sim [gostaria]. Mas há homens e mulheres capazes”, disse, lembrando que implementou resolução no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para aumentar o número de desembargadoras nos tribunais.
Barroso elogiou as últimas escolhas de Lula para o STF. “O presidente mandou para cá, neste novo mandato, os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino. Foram duas excepcionais escolhas, dois grandes ministros, duas grandes pessoas. Acho que o presidente tem acertado e vai acertar de novo”, afirmou.
Defendeu, de qualquer modo, que a escolha recaia sobre alguém que tem “integridade, civilidade e idealismo”. “Que é o compromisso com o Brasil. A pessoa não vir aqui para realizar a sua própria agenda. A gente aqui tem que servir ao país”, afirmou, em referência à última característica.
O ministro disse que esteve com Lula no último sábado (4), no show da cantora Maria Bethânia, sinalizou que queria uma conversa e, segundo ele, Lula intuiu que ele deixaria o STF, em razão de outra conversa que tiveram há dois anos sobre essa possibilidade. Barroso, no entanto, afirmou que ainda não conseguiu falar com o presidente diretamente sobre o assunto nos últimos dias.
O ministro deve permanecer no cargo no máximo até sexta da semana que vem. Disse que ainda vai checar se há alguma decisão importante a tomar no acervo de processos.
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Plano de Barroso, por enquanto, é ser um “intelectual público”
Barroso disse não ter planos definidos. No final do ano, vai dar aulas como professor visitante no Instituto Max Planck, na Alemanha, e em janeiro na Sorbonne, na França. Afirmou não ter pretensão de ocupar cargos públicos, por exemplo, na ocupação de uma embaixada na Europa, como chegou a se especular na imprensa.
“Eu quero servir ao Brasil – se eu puder escolher – como um intelectual público. Alguém que olha o país e pensa coisas sem cargo, sem esses deveres”, disse.
Ele disse que vai continuar morando em Brasília e no Rio de Janeiro. Ainda neste mês, fará um retiro espiritual na Espanha com o grupo indiano Brahma Kumaris.
Barroso negou que sua saída tenha relação com as recentes sanções dos Estados Unidos sobre os ministros – a aplicação da Lei Magnitsky a Alexandre de Moraes e a revogação de vistos para outros ministros, incluindo ele próprio (embora não haja uma lista oficial).
“Eu espero que isso se resolva, porque eu acho que nós simplesmente cumprimos e bem nosso dever. E não me é indiferente o tipo de sanção que recaiu sobre o ministro Alexandre e a esposa dele. Acho que foi um movimento errado, baseado numa narrativa falsa, e acho que a gente tem que continuar a desfazer. Acho que é preciso que eles conheçam a verdade, e aqui nós fizemos tudo como tinha que ser feito dentro da Constituição e das leis”, disse.
Barroso se despediu emocionado no plenário
Barroso chegou ao STF em 2013, indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff. Hoje tem 67 anos e poderia ficar na Corte até 2033. Na despedida que fez no plenário, disse que esses 12 anos “foram tempos de imensa dedicação à causa da Justiça, da Constituição e da Democracia”.
“A vida me proporcionou a bênção de poder servir ao país, retribuindo o muito que recebi, sem ter qualquer interesse que não fosse fazer o que é certo, justo e legítimo para termos um país maior e melhor”, disse, emocionado.
No pronunciamento, fez referência a desgastes que sofreu no cargo.
Desde 2022, após presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Barroso passou a ser alvo de hostilidades mais intensas, nas redes sociais e nas ruas, inclusive fora do Brasil, pela preparação para as eleições daquele ano e por declarações embaraçosas.
Em novembro daquele ano, após a vitória de Lula, falou “perdeu, mané!” para um eleitor do ex-presidente Jair Bolsonaro que o importunava em Nova York, nos EUA. Em julho de 2023, gritou “nós derrotamos o bolsonarismo”, em discurso exaltado para estudantes esquerdistas que o vaiavam durante evento da UNE Brasília – depois, se retratou, dizendo que queria se referir ao “extremismo”.
No discurso de despedida, o ministro ainda reafirmou sua confiança na civilidade contra a intolerância e o radicalismo político.
“Apesar da agressividade e da intolerância que ainda se vê aqui e acolá, reafirmo a minha fé nas pessoas, no bem, na boa-fé, na boa-vontade, no respeito ao próximo e na gentileza, sempre que possível. Fora desta bancada, continuarei a trabalhar por um tempo de paz e fraternidade. Reitero: a integridade, a civilidade e a empatia vêm antes da ideologia e das escolhas políticas. O radicalismo é inimigo da verdade. A gente na vida deve ter cuidado para não se apaixonar pelas próprias razões”, disse.
Fonte: Gazeta do Povo