No novo thriller psicológico de Luca Guadagnino, “Depois da Caçada”, Julia Roberts estrela como uma professora de Yale forçada a tomar partido quando uma aluna de destaque acusa outro membro do corpo docente de agressão sexual.
Cada cena que se desenrola é espinhosa e tensa. E enquanto o elenco — incluindo Ayo Edebiri e Andrew Garfield, que interpretam a acusadora e o acusado, respectivamente — se engaja em uma batalha de inteligência sem rodeios, navegando uma manobra complicada após a outra, o que se destaca são as roupas da personagem, que são tão afiadas quanto o diálogo.
“Depois da Caçada” leva Guadagnino a um território mais volátil como cineasta, mas tem semelhanças com o trabalho anterior nas ricas escolhas visuais do vestuário, onde as roupas contêm um significado mais profundo e expressam as dinâmicas de poder entre os personagens. O resultado é possibilitado pela figurinista do filme, Giulia Piersanti.
Os sinais sutis no vestuário
Seja dando aula na imaculada instituição da Ivy League ou tomando uma bebida em um bar após o expediente, a personagem de Roberts, Alma Imhoff, tem uma queda inconfundível por peças preppy e sob medida de cor creme, alcançadas com um guarda-roupa de marcas de luxo como The Row, Celine e Lemaire, embora ocasionalmente também opte por peças vintage da Ralph Lauren e L.L. Bean.
O estilo é imitado por toda parte pela personagem de Edibiri, Maggie Price, que veste roupas da jovem designer britânica Grace Wales Bonner, que são igualmente clássicas, mas não na mesma faixa de preço extorsiva. É por meio dessas sutilezas que os espectadores podem deduzir que ela anseia pela aprovação de Alma, e possivelmente por mais.
“Eu queria brincar com a ideia do mesmo tipo de visual, mas usado por personalidades diferentes e, portanto, com styling e proporções diferentes”, disse Piersanti em uma entrevista à CNN em agosto, no Festival de Cinema de Veneza, onde o filme estreou.
“Se você notar as mulheres no filme, todas elas usam itens muito semelhantes: blazers, camisas de botão, é bem acadêmico. Mas Alma é a versão contemporânea mais chique, enquanto Maggie, que emula Alma, usa uma versão mais jovem de seus looks.”
Das passarelas de Paris para as telonas
Piersanti, que hoje é a chefe de tricot da Celine, que faz parte do grupo LVMH, em Paris, além de continuar o trabalho como figurinista, tem um relacionamento profissional com Guadagnino que remonta a 2015.
Após se conhecerem em Milão, o diretor italiano a abordou para trabalhar em “A Bigger Splash”, estrelado por Tilda Swinton. Impressionado com a compreensão de Piersanti sobre comportamentos sociais humanos complexos, Guadagnino sentiu que ela era perfeita para o figurino do filme, que se tornou um sucesso de crítica, sendo celebrado pelo estilo visualmente cativante.
Desde então, Piersanti se tornou uma colaboradora frequente de Guadagnino, trabalhando nos figurinos de vários de seus filmes, incluindo o aclamado pela crítica “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017) e os mais gore “Suspira” (2018) e “Até Os Ossos” (2022).
Para Piersanti, criar looks para filmes e criar designs para moda são duas coisas muito diferentes. “A maioria dos filmes permanece no passado ou no presente, para contar uma história sobre um personagem. A moda, por outro lado, é sobre o futuro”, observou.
No entanto, ambas as mídias a desafiam criativamente. “Ambas precisam de observação empática para entender as pessoas e por que elas se vestem de uma forma ou de outra.”
Escolhas sutis que dizem muito
O filme de Guadagnino apresenta personagens complexos navegando um cenário de 2019 logo após a ascensão do movimento #MeToo, focando em dinâmicas de poder e aparências.
Piersanti usou o roteiro como ponto de partida. No início da produção de qualquer filme, Guadagnino “me conta sobre os personagens e o que ele quer dizer sobre eles”, explicou ela. A partir daí, ela tem carta branca nas roupas.
O processo de Piersanti então se desenrola através de pesquisa visual, que ela espalha pelas paredes do departamento de figurino, “para que, quando os atores cheguem para as provas, eles estejam cercados por imagens de como serão seus personagens”.
Além do que uma pessoa poderia vestir, Piersanti disse que pensa na “psicologia delas”, incluindo “do que elas poderiam gostar e que música poderiam ouvir”. O objetivo, continuou ela, é garantir que o espectador “entenda o personagem sem fazer escolhas muito óbvias”, mas ainda adicionando personalidade onde o roteiro permite liberdade.
Para “Depois da Caçada” em particular, Piersanti assistiu ao drama americano de 1988 “A Outra”, estrelado por Gena Rowland, que também interpreta uma professora, buscando inspiração para criar um “clima de alta burguesia”, disse.
Principalmente, Piersanti queria transmitir um “chique de classe alta”, com um toque de “rigidez e austeridade”. Como ela observou: “Sem tecidos macios, sem tricot, sem vestidos.” Isso resultou em grande parte do elenco usando blazers, calças e mocassins — qualquer coisa que pudesse criar uma sensação angular.
Já para o marido psicólogo de Alma, a inspiração de vestuário foi “menos acadêmicos da New England”, segundo Piersanti, e mais no estilo do compositor Philip Glass e do falecido cineasta David Lynch e “como eles usam ternos japoneses leves sem gravata”.

São esses detalhes mais finos que agem como uma forma premonitória de comunicação não verbal, o que mais entusiasma Piersanti. Alguns críticos podem descartar a moda como frívola ou uma parte não essencial da vida diária, mas para Piersanti, isso não poderia estar mais longe da verdade.
“Todos fazem escolhas, seja consciente ou subconscientemente, ao escolher o que vestem ou compram. Entender isso me permite criar designs para um cliente que comprará a peça e para um personagem no roteiro”, disse.
Fonte: CNN BRASIL