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Por que ‘Ó Paí, Ó’ quase não foi feito e mudou tudo na Bahia

Lázaro atuou, Monique dirigiu e Salvador brilhou: 18 anos de ‘Ó Paí, Ó’ –

Há 18 anos, um filme levou para as telas do o Brasil e do mundo um pedaço do que havia de mais intrinsecamente soteropolitano: nossa raça, nossa arte mais popular, nossa luta por dignidade e também nossa infinita veia para a galhofa estavam perfeitamente captadas em Ó Paí, Ò, filme da diretora baiana Monique Gardenberg. Na quinta-feira, 9, às 20h, é dia de rever e celebrar este marco do cinema baiano na tela gigante (325m²) do Open Air Brasil, evento parceiro do Grupo A TARDE, com direito a pipoca e show da cantora Majur, incluídos no preço do ingresso – que aliás, já estão esgotados.

Ó Paí, Ó, como quase toda obra feita para durar, foi uma construção coletiva, erguida ao longo de anos, cuja pedra fundamental foi inaugurada pelo diretor teatral Márcio Meirelles, autor do texto da peça original e fundador do Bando de Teatro Olodum, que deu vida aos seus personagens.

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Ambientada no Pelourinho durante o Carnaval, a trama faz a crônica do dia a dia dos moradores de um cortiço, entre a folia e o trabalho. O filme aproveitou boa parte do elenco original do espetáculo – com a adição de alguns atores mais novos – e deu um bom empurrão na carreira de muita gente boa, hoje consagrada, como Lázaro Ramos, Wagner Moura, Jorge Washington, Érico Brás, Edvana Carvalho, Emanuelle Araújo e Luciana Souza, entre outros. Vale registrar também a presença de nomes nacionais como Stênio Garcia e Dira Paes no elenco.

Ó Paí, Ó, o filme, foi tão bem sucedido, que deu origem à uma homônima série de TV na Globo, entre 2008 e 2009, com dez episódios no total, além de uma continuação nos cinemas, Ó Paí, Ó 2 (2023), desta vez dirigida por Viviane Ferreira.

Caetano Veloso foi o primeiro a pedir pelo filme

Edição de 30 de março de 2007 | Foto: Divulgação

Renato Byington, diretor do Open Air, saúda a sessão comemorativa como uma boa oportunidade para os fãs – e também para quem nunca o assistiu: “Este é um filme que marcou uma geração do teatro e do cinema na Bahia e foi abraçado nacionalmente como um grande sucesso do cinema. Celebrar 18 anos deste lançamento é uma forma do Open Air agradecer pela acolhida maravilhosa que recebeu aqui em Salvador. Será uma bela festa”, afirma.

O criador Márcio Meirelles lembra que o filme representou uma virada – para o Bando Olodum, para o teatro e para o audiovisual baiano: “O Bando já tinha uma visibilidade nacional pelos espetáculos e tudo mais, mas foi uma virada para a indústria cinematográfica, para o audiovisual. E logo depois, ainda enquanto estava finalizando o filme, teve o convite para transformar em série e isso deu mais visibilidade ainda ao grupo”.

Segundo Márcio, Caetano Veloso, que assistiu a peça no Rio de Janeiro, foi o primeiro interessado em adaptá-la para o cinema:

Tinha uma produtora americana interessada no projeto e ele queria fazer isso, ele achou um gancho ali para falar do que ele queria falar. Aí passaram-se mais de dez anos, Lázaro já estava um ator nacional, e falou: ‘vamos pegar aquele projeto, fazer filme, eu dirijo’. Mas Caetano, no meio do caminho, tinha proposto que Monique fizesse. Monique falou ‘vamos fazer, vou captar recursos e a gente faz’

Márcio Meirelles

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Para Márcio, que não quis participar da produção, o filme fez total jus à sua obra: “Eu gosto do filme e acho que o filme parte do mesmo princípio da peça, da mesma indignação – e resulta também em uma emoção final similar a que acontecerá cada vez que se montar essa peça”, afirma.

Parceira de Márcio na criação da peça, a atriz e diretora Chica Carelli nota que ela sempre teve essa vocação para as telas: “É muito engraçado como essa peça, criada em 1992, desde o início teve essa vocação para o audiovisual”.

Quando Caetano pediu o roteiro escrito foi uma correria: “Lembro que, de um dia para o outro, tivemos que anotar todos os textos, porque muitas coisas eram fruto de improvisação, a gente nem fazia o texto. A gente ia improvisando e montando a peça”, diverte-se.

Protagonismo negro e voz da periferia nas telas

Hoje em evidência na telinha (Vale-Tudo), palcos e telonas, Edvana Carvalho observa que peça e filme ajudaram a consolidar a ideia do protagonismo negro:

Foi a primeira vez que a gente foi para o cinema seriamente, né? A primeira vez que a população, a situação preta de Salvador e do país, se viu nas telas de cinema – e não como coadjuvantes, mas como personagens principais, centrais da trama, que é o que o bando fazia muito bem, levar a voz da periferia para os palcos

Edvana Carvalho – a Lúcia

Outro membro do elenco, o ator e afrochef Jorge Washington também lembra de todo o processo com muito carinho: “O filme está há mais de 18 anos fazendo sucesso, até hoje as pessoas falam muito, tem muito meme na internet, né, é um filme que até hoje é muito visto nos streamings”.

“E o 2 vem nessa pegada, não fez tanto sucesso quanto o primeiro, porque o 2 é um filme mais político, né, e as pessoas no Brasil não gostam de discutir, né, as pessoas gostam de dar risada, e o Bando tem esse compromisso também, de falar de coisas sérias, então a gente é muito feliz com esse projeto”, afirma Jorge.

Imagem ilustrativa da imagem Por que 'Ó Paí, Ó' quase não foi feito e mudou tudo na Bahia

| Foto: Divulgação

Isso é cinema autoral

Atual presidente da Funarte, a atriz baiana Maria Marighela destaca a força politizadora do Bando: “Sou de uma geração formada pelo Bando de Teatro Olodum. Ó Paí, Ó, das obras mais emblemáticas desse grupo, vira referência do teatro brasileiro e vai além. Vira filme, série e ganha o mundo, assim como seus artistas realizadores”.

“São 18 anos desta obra que colocou para o país e para o mundo o Pelourinho como território de vida, tecnologia, estratégia, comunidade, cultura e pensamento em disputa com desigualdades extremas, racismo como prática institucional, remoções forçadas e violências de Estado. Um marco. São as nossas artes, o teatro, o cinema como manifesto de denúncia e também anúncio daquilo que queremos transformar no mundo”, afirma.

Co-roteirista de Ó Paí, Ó 2, Elísio Lopes Jr. acredita que, naquele primeiro filme, “A essência do bando está em cena. As falas, o diálogo, o nosso sotaque, a forma de contar a história, está completamente documentada. (…) Os atores que estão na tela, que estão ali defendendo seus personagens, foram criadores de suas criaturas. Então, eles são criadores de seus personagens e isso é um cinema autoral, isso é um cinema que tem um valor histórico para o Brasil”.

“(Depois) tive a oportunidade de escrever Ó Paí, Ó 2, mas fizemos com a consciência de que era um filme homenagem, era um filme para trazer aqueles personagens de volta numa outra história. (…) Aqueles personagens são eternos e eu acho que eles têm vida própria, nasceram dos atores, e isso é uma coisa que a gente tem que valorizar muito. Fora que é um marco mesmo do cinema nacional, do humor descentralizado, o humor que veio do Nordeste, o humor baiano, que fez história e ensinou a nossa linguagem”, acredita.

Uma linguagem baiana para o cinema

Edição de 4 de abril de 2007

Edição de 4 de abril de 2007 | Foto: Divulgação

O diretor Luiz Marfuz é outro que vê no filme de 2007 uma vitória do regionalismo contra a dominância sudestina nas artes: “(Ele) Marca uma presença da temática e do modo de falar, de atuar. (…) É uma poética que se inscreve numa cena majoritariamente dominada pelo eixo Rio-São Paulo, até no modo de estabelecer a pronúncia precisa das palavras”.

“Esse trabalho do bando se agrega também muito com a cena pernambucana, o teatro e o cinema nordestinos e de outras regiões também, que estão, de certo modo, atravessando toda essa cena nacional e dizendo, olha, o que importa é a diversidade, é a multiplicidade, é o reconhecimento de que existe um Brasil profundo, que vem à tona, para, de certa forma, conviver em pé de igualdade com um modo colonizado de atuar e encenar”, observa Marfuz.

Diretor incontornável de um momento glorioso do teatro baiano, Fernando Guerreiro conclui: “A maioridade do primeiro registro audiovisual de Ó Paí, Ó é, na verdade, um grande marco, um sinal de maturidade do nosso teatro e um sinal também da importância desse marco identitário. E cada vez mais a gente vai forjar, a gente vai criar e reforçar uma linguagem baiana para o cinema e para o audiovisual. Então, parabéns e que outros espetáculos gerem produtos audiovisuais que cada vez mais reforçem e recriem nossa identidade cultural”.

Axé, né?

*Colaborou Eugênio Afonso



Fonte: A Tarde

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