Pode parecer apenas um movimento automático do cotidiano, mas a forma como alguém caminha, especialmente a velocidade com que se desloca, é hoje uma das pistas mais valiosas sobre o estado geral de saúde. Cada passo, cada oscilação e cada mudança no ritmo revelam o funcionamento integrado de sistemas musculares, cardíacos, pulmonares e até cognitivos. Por isso, pesquisadores e clínicos passaram a olhar a marcha com a mesma atenção dada a exames laboratoriais ou sinais vitais clássicos, como batimentos e pressão arterial.
A médica nutróloga Danielli Orletti, fundadora do Instituto Orletti de Medicina do Estilo de Vida, explica que a velocidade da caminhada se tornou um dos melhores indicadores do envelhecimento saudável e da reserva fisiológica do corpo. Segundo ela, “a marcha integra, em um único comportamento, informações de vários sistemas ao mesmo tempo”, o que faz desse simples gesto um dos marcadores mais precisos e acessíveis para avaliar risco de doenças e perda funcional.
Por que a velocidade da caminhada virou um marcador essencial de saúde
A médica Danielli Orletti afirma que a marcha funciona como um “resumo” do estado funcional de uma pessoa porque mobiliza simultaneamente força muscular, capacidade cardiorrespiratória, equilíbrio e coordenação neurológica. “Ela reflete não apenas condição física, mas também reserva fisiológica, ou seja, o quanto o organismo consegue responder ao estresse”, explica.
Essa integração multisistêmica torna a velocidade da caminhada um indicador muito mais sensível do que a maioria das pessoas imagina, capaz de revelar limitações antes mesmo de sintomas claros aparecerem.
O que o corpo revela quando andamos mais devagar ou mais rápido
Segundo Danielli, quando a caminhada fica mais lenta, o corpo pode estar sinalizando alterações importantes. Ela destaca como causas mais frequentes: perda de força muscular, redução da capacidade cardiorrespiratória, alterações no equilíbrio, início de declínio cognitivo, fadiga ou inflamação crônica e problemas articulares. Ela reforça que, em muitos casos, a marcha lenta é o primeiro sinal visível de que algo não vai bem, muito antes de um exame detectar déficits mais avançados.
Por outro lado, uma caminhada mais rápida geralmente demonstra o oposto. De acordo com a médica, esse padrão indica bom condicionamento físico, massa muscular preservada, boa função cardiovascular, integridade neurológica e ausência de dor na mobilidade. Em outras palavras, quanto mais fluida e veloz a marcha, maior a probabilidade de que o corpo esteja funcionando com eficiência.
A velocidade da marcha como “novo sinal vital”
A expressão pode parecer ousada, mas é sustentada pela literatura científica. Danielli Orletti que “diversos estudos consideram a velocidade da marcha um sinal vital do envelhecimento”, justamente porque ela apresenta “poder preditivo semelhante ou superior a muitos exames tradicionais” na avaliação de risco de hospitalização, dependência e mortalidade.
A grande vantagem, segundo ela, é que esse marcador é simples, barato, reprodutível e altamente confiável. Não exige tecnologia sofisticada, apenas um pequeno percurso e um cronômetro, e fornece informações extremamente relevantes para decisões clínicas e estratégias de prevenção.
Os sistemas do corpo envolvidos na velocidade do andar
Para caminhar, o corpo aciona diversos mecanismos simultaneamente. Danielli detalha que isso envolve:
- Sistema muscular, especialmente quadríceps, glúteos e panturrilhas, locais onde a sarcopenia se manifesta de forma precoce;
- Sistema cardiovascular, que precisa enviar oxigênio aos músculos com eficiência;
- Sistema respiratório, responsável pela ventilação adequada durante o esforço;
- Sistema neurológico, que coordena equilíbrio, tempo de reação e padrões motores;
- Sistema osteoarticular, frequentemente afetado por dor crônica e rigidez.
Por isso, ela resume: “A marcha é tão sensível porque depende de todo o organismo funcionando em harmonia.”
Doenças que podem ser detectadas precocemente pela marcha lenta
Danielli reforça que a velocidade reduzida pode ser um dos primeiros sinais de doenças crônicas ainda silenciosas. Entre as condições associadas à marcha lenta, ela lista:
- Doenças cardiovasculares, como infarto e insuficiência cardíaca;
- Diabetes tipo 2;
- Doença pulmonar crônica;
- Síndrome metabólica;
- Depressão;
- Declínio cognitivo e demência;
- Fragilidade e sarcopenia.
Segundo a médica, “é um marcador precoce porque se altera antes de sintomas evidentes”, o que pode permitir intervenções antecipadas e mais eficazes.
A relação direta com sarcopenia
A marcha lenta é um dos critérios centrais para diagnóstico de sarcopenia, a perda de massa e força muscular associada ao envelhecimento. Danielli destaca que essa redução na velocidade aparece muitas vezes antes mesmo de a perda muscular ser visível a olho nu.
Isso significa que observar a forma como alguém caminha pode ser tão importante quanto medir massa magra em exames específicos e, em muitos casos, até mais sensível.
Mobilidade, equilíbrio e risco de quedas
Segundo a especialista, a velocidade da marcha funciona como um “termômetro” de mobilidade global. Quando a pessoa começa a andar mais devagar, é sinal de que o corpo está perdendo rapidez para reagir aos desafios do ambiente, como desviar de obstáculos ou recuperar o equilíbrio após um tropeço.
A médica alerta: “Pessoas com marcha lenta apresentam maior instabilidade e têm mais dificuldade de reagir a imprevistos”, o que aumenta significativamente o risco de quedas, uma das principais causas de hospitalização e perda de independência em idosos. Ela lembra que, segundo a literatura científica, a velocidade da marcha é um dos melhores preditores desse risco.
Quem deve se preocupar e quando procurar avaliação
Danielli recomenda ficar atento quando a caminhada se torna mais lenta sem motivo aparente, especialmente em pessoas acima dos 60 anos. Sinais como cansaço ao caminhar, tropeços frequentes, medo de cair ou necessidade de parar para descansar devem motivar investigação.
Avaliar a marcha regularmente pode ajudar a detectar doenças em estágios muito iniciais e orientar programas de fortalecimento, fisioterapia ou mudanças no estilo de vida.
Como melhorar ou preservar a velocidade da marcha
Embora a velocidade da caminhada caia naturalmente com a idade, é possível preservá-la. A médica reforça a importância de rotinas que incluem:
- Fortalecimento muscular regular, especialmente de membros inferiores;
- Exercícios de equilíbrio e coordenação;
- Atividade aeróbica consistente;
- Controle de doenças crônicas;
- Boa saúde articular e tratamento de dores;
- Acompanhamento fisioterapêutico quando necessário.
Segundo a Danielli, preservar a velocidade da marcha é preservar autonomia, independência e qualidade de vida.
Fonte: CNN BRASIL