Uma investigação jornalística da emissora alemã Deutsche Welle (DW) revelou um caso chocante envolvendo o Banco Europeu de Sêmen (ESB), sediado em Copenhague, Dinamarca, e um doador de esperma dinamarquês que, por mais de 15 anos, disseminou uma mutação genética rara e potencialmente fatal ligada à predisposição ao câncer para centenas de famílias em toda a Europa.
Identificado apenas pelo código 7069, o doador, que recebeu o pseudônimo de “Kjeld”, é o pai biológico de pelo menos 197 crianças documentadas, número que pode ser significativamente maior, já que o banco se recusa a divulgar o total exato.
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O esperma foi comercializado para clínicas de fertilidade em pelo menos 14 países, expondo inadvertidamente famílias a um risco elevado e permanente de desenvolvimento de vários tipos de câncer, inclusive em idade precoce.
A perigosa mutação TP53 vendida a famílias
O cerne do problema reside na mutação identificada no gene TP53, um importante supressor de tumores. Alterações nesse gene estão diretamente ligadas a uma síndrome que aumenta drasticamente a chance de desenvolver diversos tipos de câncer ao longo da vida. Segundo biólogos especializados, algumas das crianças concebidas com o material genético de Kjeld já foram diagnosticadas com a doença e, tragicamente, algumas já faleceram.
A investigação aponta que a mutação foi detectada em 2023, mas o primeiro alerta teria surgido em 2020, quando uma criança concebida com o sêmen do doador foi diagnosticada.
Na época, testes genéticos iniciais no doador falharam em detectar a alteração, que ocorre apenas em uma parcela de seus espermatozoides, levando o material a ser devolvido ao mercado.
Somente após um segundo caso ser reportado em 2023, novos testes confirmaram a presença da mutação em amostras de sêmen, resultando no bloqueio permanente de Kjeld em outubro daquele ano.
Falha na comunicação deixa pais no escuro
Legalmente, bancos de esperma e clínicas de fertilidade são obrigados a notificar os pais sobre quaisquer anomalias genéticas descobertas. No entanto, a investigação da DW e da Rede de Jornalismo Investigativo da EBU descobriu que muitas famílias nunca foram oficialmente informadas sobre o risco genético.
“Foi um choque,” relatou uma mãe, que só soube do risco em 2023, anos após ter a filha com o sêmen doado em 2011. Sua filha adolescente posteriormente confirmou ser portadora da mutação, iniciando uma longa e angustiante jornada de consultas e exames.
Outras mães relataram ter descoberto o caso por meio da imprensa ou de outros pais, não tendo sido contatadas nem pelo ESB nem pelas clínicas. Profissionais de saúde, como a médica Svetlana Lagercrantz, especialista em cânceres hereditários, expressaram frustração com a falha na comunicação.
O custo da desinformação na luta contra o câncer
Para os portadores da mutação TP53, a detecção precoce do câncer é vital e exige exames regulares de rastreamento por toda a vida. A falta de conhecimento sobre o risco genético inerente é perigosa, especialmente porque o câncer infantil é raro, e os sintomas podem ser facilmente ignorados ou mal interpretados por médicos que desconhecem a mutação.
O Banco Europeu de Sêmen, apesar de ter bloqueado o doador em 2023, invocou o direito à privacidade para se recusar a fornecer o número total exato de pessoas concebidas com o sêmen do doador 7069. O caso levanta questões críticas sobre a regulamentação, a triagem genética e a transparência dos bancos de sêmen em toda a Europa.
Fonte: A Tarde