Cônsul-adjunta do Brasil em Nova York, Marissol Romariz –
Simpática, direta ao ponto e muito acessível, a cônsul-adjunta do Brasil em Nova York, Marissol Romariz, define seu trabalho como o “chão de fábrica” da diplomacia.
Cabe a ela a responsabilidade de lidar diariamente com as questões sem glamour da relação entre Brasil e Estados Unidos, desde a emissão de passaportes até o socorro a cidadãos detidos no exterior.
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Em mais de uma hora de conversa com a missão Yacy Por Elas, a diplomata de carreira contou como sua rotina de trabalho vem sendo transformada nos últimos meses com a nova política imigratória da Casa Branca.
Recorde de documentos: quase cinco vezes mais
A transformação tem números impressionantes. Até 2024, o Consulado Geral do Brasil em Nova York emitia, em média, 450 passaportes por mês.
Em setembro de 2025, a unidade ligada ao Itamaraty passou dos 2.000 passaportes entregues — tudo isso com a mesma estrutura física e de pessoal.
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Esse volume quase quintuplicado tem uma explicação clara: o endurecimento de como o governo dos Estados Unidos tem lidado com os imigrantes indocumentados.
O componente racial na detenção
Marissol Romariz avalia que o clima “vai só se agravar” nos próximos anos. “Você tem um processo de remoção da população indocumentada, especialmente daquela que tem a pele mais escura, o que mostra também um componente racial,” avalia a cônsul.
Ela faz questão de deixar claro que essa é uma opinião pessoal, baseada no que tem observado ao visitar os centros do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos): “Lá não tem loiro de olho azul.”
O drama dos pais de família detidos
O perfil dos detidos mudou drasticamente. Antes, eram pessoas com passagem policial, mais conformadas.
“Agora você está pegando o pai de família que está aqui há 20 anos e que vai embora para o Brasil,” relata a diplomata.
São pessoas que não têm nenhum contato no Brasil e que deixam para trás a vida inteira. “Essa pessoa, quando vai falar com você, chora o tempo todo.”
Alerta: risco de virar “criminoso federal”
Um novo procedimento do ICE torna a situação ainda mais dramática. Quem não autoriza a emissão dos documentos para ser deportado pode ser enquadrado no inciso 287 da Lei de Imigração.
Trata-se do failure to comply (não-cumprimento) com a ordem de deportação. Isso é considerado um felony (crime de alta periculosidade).
“Eles estão sendo processados federalmente,” alerta Marissol Romariz.
A decisão extrema do consulado
Nesses casos, o Consulado tem tomado uma decisão extrema: emitir o atestado de nacionalidade à revelia do brasileiro.
“A gente pode fazer [o atestado] dizendo que esse cidadão é brasileiro, sim, pode mandar ele embora para o Brasil. Por quê? Porque senão ele vai acabar numa prisão federal“, explica.
Outra forma que o ICE tem agido é deter os pais, forçando mulheres e crianças a decidirem retornar. “Esses 2 mil passaportes que a gente está fazendo por mês são das mulheres e das crianças. Mais da metade,” revela.
O perigo de crianças dicarem órfãs nos EUA
O drama se estende às crianças. Muitas famílias que queriam “romper os laços com o Brasil” nunca registraram seus filhos no Consulado.
“Só que agora o ICE pega o pai ou pega a mãe, leva para um centro de processamento. E as crianças não podem ser deportadas: não são brasileiras. Eu não tenho como defender essas crianças,” aponta.
O risco extremo, já visto em outras nacionalidades, é que os pais sejam deportados e as crianças vão para um lar adotivo norte-americano (foster care).
A situação se tornou “ponto de prioridade absoluta” para o Consulado, que realizou mutirões de registro civil. Enquanto a emissão de passaportes quintuplicou, o total de registros de nascimento foi multiplicado por dez.
“Com muita satisfação eu tenho a dizer a vocês que na nossa jurisdição não temos nenhuma criança no foster care. Mas foi com um grande, grande empenho,” completa a ministra.
*Gabriela de Paula é jornalista especializada em inovação, tecnologia e futuro, e está em Nova York cobrindo a Climate Week 2025.
Fonte: A Tarde