Ator baiano critica políticas públicas e defende regulamentação digital –
Ator baiano que integra o elenco do espetáculo UM JULGAMENTO – depois do Inimigo do Povo (em cartaz até domingo 12, no Trapiche Barnabé), dirigido por Christiane Jatahy e protagonizado por Wagner Moura, Marcelo Flores é um multiartista da dramaturgia nacional, tendo atuado em diversos meios e produções distintas, como ator, diretor, cenógrafo, produtor.
Nascido em Vitória da Conquista, pai de Alice (16), Marcelo é integrante e cofundador de Os Argonautas Cia de Teatro. Na televisão, integrou os elencos de Quanto mais vida melhor, Bom sucesso, Amor à vida e Cordel Encantado, dentre outras realizações. Atuou em seriados e séries como Mister Brau, Trair e coçar é só começar, Tapas & Beijos. No cinema, atuou em Carlinhos e Carlão, O beijo no asfalto, Longe do paraíso, E aí… Comeu?, Irmã Dulce, Transeunte, dentre outros.
Tudo sobre Cultura em primeira mão!
Bacharel em Artes Cênicas pela Escola de Teatro da Ufba, em 2025, Marcelo está em cartaz em Salvador com o espetáculo Tartufo – O Impostor (no Teatro Módulo, até 31 de outubro, sextas, às 20h), que atualiza a comédia de Molière para o contexto brasileiro da atualidade, denunciando de forma jocosa a exploração da fé por falsos profetas e sacerdotes de todas as religiões, fazendo, ainda, o papel-título e dirigindo Celso Jr, Alethea Novaes, Marcos Barreto, Rapha Gouveia, Tarsila Carvalho e Tiago Tirino.
Desenvolve ainda, junto a Alethea e outros artistas, o projeto Clube da Cena, que além de compartilhar experimentos cênicos, apresenta novos talentos e articula formação, fruição e pesquisa cênica.
Atuou em cerca de 40 espetáculos teatrais produzidos em Salvador, dentre os quais destacam-se Um Vânia, de Tchekhov, sob direção de Gil Vicente Tavares, sendo indicado ao Prêmio Braskem de Melhor Ator; Hamlet (Shakespeare – produção do Núcleo de Teatro do TCA), Macbeth (Shakespeare) e Baal (Bertolt Brecht), ambos dirigidos por Harildo Déda.
Às vésperas da estreia de Um Julgamento, Flores concedeu esta entrevista em que expressa a indignação coletiva dos artistas do teatro brasileiro, que atuam em Salvador, acerca das Políticas Públicas para Arte e Cultura, e os desafios que enfrenta individualmente e coletivamente aos 49 anos de idade, com 30 anos de profissão.
Leia Também:
Você atuou em televisão, teatro e cinema fora e dentro da Bahia. Achei inicialmente estranho que as redes tenham divulgado, sem contextualizar, que você e Fernanda Paquelet seriam atores “baianos” presentes no elenco da peça Um Julgamento – depois do Inimigo do Povo. Teatro baiano é teatro brasileiro?
De fato, estaremos representando habitantes, cidadãos da comunidade local na estreia e na temporada realizada em Salvador, e a personagem que vamos revezar tem esta função dramatúrgica no espetáculo. O convite, feito a mim e a Fernanda para esse papel, partiu de uma relação afetiva, profissional e geracional. Evidentemente partiu do Wagner Moura, um artista da mesma geração que a gente, uma geração que se formou nos anos 1990, o teatro baiano no auge, numa era de ouro, muito diversa e muito rica culturalmente – com a presença de políticas públicas eficientes e, principalmente, com a presença e o interesse do público.
Wagner é um grande expoente, talvez o expoente mais conhecido dessa geração. Fico muito feliz com essa parceria e com o interesse dele no meu trabalho, para além da nossa amizade, pois somos amigos próximos
Qual a sua posição em relação às estratégias de fomento e financiamento das Artes Cênicas no País?
A gente vive um esvaziamento muito grande da pauta artística, a “cultura” tomou a frente do debate, a “política” tomou a frente do debate e o mercado do entretenimento da música e do Carnaval sempre foram os protagonistas na Bahia. Eu tenho louvado sempre o interesse direcionado ao Teatro, que se tornou raro, seja do empresário, seja do gestor de políticas públicas, seja do jornalista, pois a situação não está nada boa. Nós, artistas, estamos [contestando a política pública de Cultura vigente] centrados nos fatos. Muitos teatros foram fechados, hoje existem pautas caras, inexistência de patrocínio privado ao teatro, ou está cada vez mais raro. E as políticas são ineficientes para atender a demanda dos artistas profissionais. Esta política há de ser repensada! E para isso é imprescindível escutar os artistas. Não pode ser uma coisa verticalizada, hierarquizada, passando do Ministério da Cultura e chegando para as Secretarias de Estado e para Municípios.
Não deu certo, não tem dado certo! Estamos vivenciando a pior circunstância que eu tenha testemunhado nesses 30 anos de profissão. A maioria dos artistas do teatro baiano tem que ter outra profissão ou outra ocupação. É um fato que a gente tem que encarar de frente. Isso gerou uma amadorização do nosso mercado. Uma implosão. Isso não é privativo de um governo, ou de um partido específico. Os artistas estão insatisfeitos
Paradoxalmente, a Bahia detém uma quantidade de artistas talentosos, capacitados, artistas com formação – acadêmica ou não. Uma tradição histórica. Instituições representativas como a Escola de Teatro e a Cia de Teatro da Ufba ou o Teatro Vila Velha. Instituições que resistem. Temos alguns grupos, companhias e artistas independentes que resistem. Mas muita gente desistiu, muita gente migrou. Uma fase de muito desprestígio aos artistas do teatro profissional.
De que forma se dá a sobrevivência da Cia Os Argonautas, da qual você é um dos artistas fundadores?
Sobrevivendo a duras penas. Na medida do impossível! Estamos tentando levar adiante os nossos projetos. Realizamos o Clube da Cena, que tem acontecido em parceria com a Fundação Gregório de Mattos. Mas nenhuma companhia se sustenta com um projeto ou dois. Precisamos de políticas de manutenção de projetos de grupos. Artistas profissionais, prioritariamente.
Qual a sua posição sobre a regulamentação do território digital? Você se sente ameaçado como agente cultural e artista criador pela Inteligência Artificial?
A regulamentação é fundamental. A gente vive dias muito perigosos com essas big techs. Estamos vivendo uma guerra digital. Não é à toa que as pessoas que são detentoras dessas tecnologias estão entre as mais ricas e poderosas do mundo. É fundamental que a gente consiga regulamentar, principalmente para as crianças e adolescentes, que já nasceram usando celulares e computadores, conectados à internet. Para que se possa coibir crimes e danos, é importante esta discussão.
Você é espiritualista. Expressa claramente essa posição nas redes sociais. E está em cartaz com uma peça que ridiculariza os tartufos e suas estratégias de manipulação e abuso da boa fé. O que você pensa sobre esse momento histórico em relação ao amor, a ética e a fraternidade?
Eu sou espírita e expresso essa posição porque acho que ela pode contribuir muito com a sociedade. Primeiro, porque o espiritismo não se professa como religião, no sentido dogmático, sacerdotal. A doutrina espírita pode ser compreendida como uma filosofia com consequências morais, centrada em uma base científica, com relação à mediunidade e outras questões. E por isso mesmo convive com todas as religiões, abraça o cristianismo de forma muito verdadeira.
E é através da doutrina espírita que eu vejo esse momento histórico como um momento de transição planetária. E o teatro, para mim, representa também isso; é uma profissão como outra qualquer, mas é um gesto de amor
Dizem que você, Lázaro Ramos, Vladimir Brichta e Wagner Moura mantêm conexão permanente via WhatsApp.
Somos muito amigos, muito próximos, eu digo que eles são como irmãos mesmo. Vladimir, um grande, grandíssimo amigo. Ele sacramentou essa amizade me dando a honra de ser padrinho de sua filha Agnes. E os meninos, Lázaro e Wagner, eu já conhecia, não tinha tanta proximidade, mas já tinha visto. A primeira oficina de teatro que Lázaro participou, do Bando de Teatro Olodum, eu estava presente, vi aquele menino atuar ainda menor de idade. Quando estávamos no Rio, a amizade se consolidou. Com Vlad, viajei pelo Brasil com o espetáculo Arte. Com Lázaro, fiz Mister Brau… Assim, a gente se ajuda, se escuta e essa amizade de vida e arte prossegue. Eles resolveram falar em entrevistas que temos esse grupo no WhatsApp, o Bar Jóia, e agora todo mundo sabe disso.
*Atriz, Jornalista e Doutora em Artes Cênicas pelo PPGAC/UFBA
Fonte: A Tarde