Ilustrativa –
A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) descobriu que uma mulher de 31 anos, levada ainda criança do interior para Salvador, não era “filha de criação” de um casal, mas atuava como empregada doméstica desde jovem.
A menina não teve as mesmas oportunidades que os demais moradores da casa. Durante os 20 anos que morou com a família, por vezes era apresentada como filha, outras como empregada.
Tudo sobre Bahia em primeira mão!
A Justiça determinou o pagamento de indenização de R$ 50 mil à vítima. A decisão cabe recurso.
Entenda o caso
Em 2000, uma menina de 6 anos, moradora de Lamarão, no interior da Bahia, foi levada para Salvador para morar com um casal. Inicialmente, foi para auxiliar o patrão, que havia sofrido um acidente. Com o tempo, passou a viver de forma definitiva na casa e, em 2003, o casal obteve sua guarda. A partir daí, ela passou a trabalhar para a família.
A menina realizava tarefas domésticas, sendo ensinada por empregadas que já trabalhavam no local. Precisava acordar às 4h para preparar o café da manhã da família antes deles saírem para o trabalho.
Justiça determinou pagamento de indenização de R$ 50 mil
Em alguns anos, a vítima estudava pela manhã, em outros à tarde, e o período de aula era seu único momento de “descanso” entre as ações como empregada da família, que iam até a noite.
Aos 15 anos, quando nasceu o neto dos patrões, foi obrigada a deixar os estudos temporariamente para cuidar do bebê. Só aos 24 anos consegui concluir o ensino médio por meio de supletivo. Segundo ela, também foi destratada.
Em 2020, já aos 26 anos, ao questionar a sua situação, foi expulsa de casa.
Filha ou escrava?
Os patrões alegaram que conheciam a então menina desde cedo, pois visitavam Lamarão com frequência, e que a mãe dela a entregou alegando que passava fome. Disseram a ter recebida apenas com a roupa do corpo e uma sandália nos pés.
Os acusados negaram toda a acusação. Segundo eles, a jovem era tratada como filha: não precisava acordar cedo para fazer café, frequentava a escola, brincava e chegou a fazer um curso técnico de enfermagem pago por eles.
Disseram ainda que o comportamento dela mudou em 2018, quando começou a namorar um vizinho.
Decisão inicial
Para a juíza Viviane Martins, da 12ª Vara do Trabalho de Salvador, é necessário analisar fatores socioeconômicos, históricos e culturais na aplicação do direito, em uma perspectiva antidiscriminatória.
Segundo ela, as testemunhas comprovaram que a mulher nunca foi protegida como filha ou irmã. Ela explica que de acordo com o que disse por uma testemunha a mulher passou a ser vista como um peso para a família pela sua presença sem a realização das atividades domésticas.
O “irmão”, segundo seu próprio relato, “tomou as rédeas” e decidiu expulsá-la, sem se preocupar com seu destino.
Outra testemunha, amiga da dona da casa há mais de 15 anos, nem se lembrava do nome da jovem.
Para a magistrada, a menina negra deixou de ser vista como criança e passou a ser tratada como “corpo disponível para o trabalho”.
Ela determinou que fosse reconhecido o vínculo de emprego, com anotação em carteira, pagamento de cláusula e indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil.
Leia Também:
Indenização reduzida
Os acusados recorreram, e o caso foi julgado pela 1ª Turma do TRT-BA. A relatora, juíza convocada Dilza Crispina, destacou que a prática de “adoção” de meninas do interior ou de periferias por famílias de centros urbanos, sob promessa de acesso à educação e mobilidade social, é comum no Brasil.
“Essas crianças acabaram ordenadas a precárias relações de trabalho doméstico infantil que perpassam aspectos relacionados à herança colonialista/escravista”, destaca.
A relatora manteve o reconhecimento do vínculo de emprego, reforçando que a menina nunca foi integrada à família como filha ou irmã.
Porém, atualmente, o valor da indenização ultrapassou a capacidade econômica dos patrões e por isso foi reduzida para R$ 50 mil. A decisão foi unânime quanto ao vínculo de emprego e por maioria quanto ao valor da indenização.
Fonte: A Tarde