HomeBahiaA libertária e fragilizada Constituição Federal do Brasil

A libertária e fragilizada Constituição Federal do Brasil

Ingressei na magistratura baiana em abril de 1988, poucos meses antes da promulgação do que Ulysses Guimarães batizaria de “Constituição Cidadã”. Experienciei a transição entre dois regimes constitucionais, testemunhando o ocaso da Carta de 1967 e o alvorecer da ordem principiológica que nos rege até hoje.

Passados trinta e sete anos de sua promulgação, o pacto constitucional sofreu profundas modificações, decorrentes de 136 emendas, número que revela tensão permanente entre atualização normativa e risco de descaracterização do texto original.

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O cenário de sucessivas reformas remonta ao exercício do poder constituinte originário naquele ano, que consagrou uma Lei Maior comprometida com a ampliação de direitos e garantias fundamentais. Forjada em intensas negociações entre forças políticas divergentes, a Carta resultante é democrática e plural, mas carrega desde a origem fragilidade que a deixa suscetível a constantes alterações.

Entre as emendas mais significativas, destaca-se a de n. 45, de 2004, que instituiu a Reforma do Judiciário. Ela criou o Conselho Nacional de Justiça, inovação que provocou acalorado debate acerca dos limites do legislador reformador na alteração da estrutura originária da Constituição.

Isso evidencia distinção essencial entre os dois poderes. O constituinte originário, expressão da soberania popular, sendo juridicamente ilimitado; e o derivado, que, por sua vez, submete-se a restrições materiais, procedimentais e circunstanciais. O art. 60, § 4º, instituiu cláusulas pétreas para proteger o núcleo essencial da própria Constituição. As 136 emendas, contudo, demonstram que essas limitações nem sempre preservaram a coerência do arcabouço original.

É certo que o CNJ consolidou avanços na eficiência, transparência e responsabilidade social da Justiça brasileira, cumprindo papel relevante de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Todavia, sua atuação nem sempre se restringe ao âmbito administrativo. Em determinadas situações tem-se observado um viés político que suscita preocupação, sobretudo quando suas deliberações interferem em questões de natureza jurisdicional. Essa tendência desafia o equilíbrio entre o controle institucional legítimo e a autonomia funcional dos magistrados, indispensável ao fortalecimento e à credibilidade do Judiciário.

A comparação com a Constituição estadunidense de 1787 é ilustrativa. Com apenas 27 emendas em mais de dois séculos, é sinônimo de estabilidade. Porém, o preço é a dependência de interpretações judiciais para adaptar o texto setecentista às realidades contemporâneas.

Nossa Constituição seguiu caminho diverso. Analítica e normativa, dirigente e social, ela assegura vasta gama de garantias. Se isso a submete às emendas, também revela maior ambição civilizatória. A Carta Magna não é mero estatuto organizacional, mas projeto de transformação social comprometido com a dignidade humana e a redução das desigualdades.

Após quase quatro décadas, a Constituição Cidadã permanece como marco de nossa redemocratização. As 136 emendas atestam sua vitalidade e vulnerabilidade. O desafio imposto às gerações atuais e futuras é zelar para que as reformas constitucionais aperfeiçoem o texto sem desvirtuá-lo, preservando o espírito libertário e sobrelevando a cidadania que marcou sua origem.

*Ruy Eduardo Almeida Britto é juiz titular da 6ª Vara da Fazenda Pública de Salvador



Fonte: A Tarde

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