No arquipélago do Marajó (PA), Afuá é um dos municípios mais peculiares do Brasil. Cercada por rios e igarapés, a cidade não tem carros e fica suspensa sobre palafitas, com a circulação dos moradores feita por passarelas, que transformam Afuá — a 300 quilômetros de Belém (PA) e a 84 quilômetros de Macapá (AP) — em um labirinto de ruas elevadas sobre águas.
É essa característica que tornou inviável o uso de automóveis e que levou o município a construir um modelo próprio de mobilidade urbana. O resultado é um cenário único no país. Em vez de carros, motos ou ônibus, a circulação acontece a pé, de bicicleta e em bicitáxis — veículos não motorizados de quatro rodas formados pela junção de duas bicicletas.
A legislação local reforça essa identidade e proíbe o tráfego de veículos automotores no perímetro urbano e até nas passarelas da zona rural, preservando a dinâmica da cidade suspensa.
Popularmente conhecida como “Veneza marajoara”, Afuá atrai a atenção de visitantes pela arquitetura sobre as águas e pela tranquilidade ribeirinha. A cidade também abriga áreas de preservação como o Parque Estadual Charapucu e a APA Arquipélago do Marajó.
Com a população estimada em 40 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Afuá tem sua economia baseada no extrativismo, na pesca e no cultivo de produtos tipicamente amazônicos, como o açaí e o camarão.
VEJA TAMBÉM:
-

A cidade “congelante” que abastece o Brasil com maçãs
Bicitáxis reinventam o transporte e marcam a identidade da cidade que não tem carros
Como o solo permanece alagado grande parte do ano, Afuá não tem ruas convencionais. No lugar delas, extensas passarelas de madeira servem simultaneamente como ciclovias, calçadas e vias de acesso para moradores e visitantes. É por essas passarelas que as bicicletas se multiplicam e fazem parte da paisagem cotidiana do município.
Entre os meios de transporte mais conhecidos está o bicitáxi, um quadriciclo sem motor construído a partir de duas bicicletas unidas por uma estrutura central. Moradores, entregadores e turistas usam o veículo para se deslocar, e ele funciona como o “táxi” local, representando um patrimônio cultural de Afuá. Muitos condutores personalizam os bicitáxis com pinturas, cores vibrantes e decorações próprias.
O professor Elton Pinheiro Jardim, 45 anos, atua como comunicador e guia turístico e transformou seu bicitáxi em um sistema de comunicação ambulante. Equipado com caixa de som e microfone, o veículo serve para anunciar aniversários, fazer campanhas solidárias, divulgar eventos e até organizar pequenos cortejos comunitários. O bicitáxi dele se tornou tão reconhecido que faz parte de tours pela cidade que não tem carros.
Nascido e criado em Afuá, Jardim estudou e se formou no próprio município, concluiu graduações em pedagogia e matemática e é professor do ensino fundamental. Além da atuação nas escolas, também é locutor, narrador esportivo e comunicador da pastoral da cidade. O professor conta que o bicitáxi virou ferramenta de trabalho e aproximação com a comunidade. “Falo do município de Afuá com muito carinho”, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo.

VEJA TAMBÉM:
-

A rua brasileira considerada uma das mais bonitas do mundo
Policiamento ciclístico na segurança em Afuá
A segurança pública também precisou ser adaptada ao formato da cidade. A Polícia Militar desenvolveu o modelo de patrulhamento ciclístico, também regulamentado por lei municipal. O efetivo é composto por 25 policiais que pedalam diariamente pelas passarelas, cobrindo áreas estratégicas e realizando rondas ostensivas.
As bicicletas permitem que os militares se aproximem mais da população, se desloquem rapidamente pelas vias estreitas e reforcem a presença comunitária em todo o município. Os agentes atuam tanto na região da companhia quanto nos bairros afastados, por meio das ligações feitas pelas estruturas de madeira.
Quando é necessário acessar regiões que não são alcançadas pelas passarelas, o batalhão dispõe de uma lancha de apoio. Como a vida em Afuá é totalmente conectada aos rios, o transporte fluvial complementa o trabalho da polícia e amplia o alcance do patrulhamento. A combinação de bicicleta e lancha se tornou padrão e atende às particularidades do território.
“Esse modelo de policiamento com bicicletas é mais eficiente no patrulhamento, fortalece a proximidade com a comunidade e contribui para a manutenção da ordem pública. Com isso, a PM consegue se fazer presente”, afirma a comandante da 32ª Companhia, major Adriana Coutinho.

VEJA TAMBÉM:
-

Polícia do Marajó usa búfalos de 590 quilos como tanques de guerra no combate ao crime
Festival do Camarão movimenta a economia e atrai milhares de visitantes
O calendário cultural da cidade tem como destaque o Festival do Camarão, realizado tradicionalmente em julho. O evento já está na 37ª edição e se tornou o maior do município. Durante quatro dias, cerca de 40 mil pessoas visitam a cidade para participar da programação, que mistura gastronomia, música e competições temáticas.
O festival celebra o camarão de água doce, um dos principais produtos da economia local. Restaurantes, barracas e cozinheiras da região oferecem pratos como mujica de camarão, camarão no bafo, maniçoba, peixes e o tradicional tacacá. O açaí, presença diária na dieta amazônica, também ganha destaque.
A programação cultural inclui shows com bandas regionais e nacionais, concursos, a tradicional biciata — um desfile de bicitáxis ornamentados — e a batalha camaroeira, que reúne performances, apresentações e ritmos típicos.

Fonte: Gazeta do Povo