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Alerta sobre falsificação de bebidas foi ignorado por autoridades

Autoridades zonzas, consumidores apavorados, indústria, comércio e trabalhadores do setor começando a acumular prejuízos, ainda sem nenhuma solução à vista no horizonte. Essa é a situação da crise que atinge o setor de bebidas alcoólicas nacional após a morte de pelo menos seis pessoas com suspeita de intoxicação por metanol em São Paulo desde o final da semana passada — uma delas confirmada.

Pelo menos outros 43 casos notificados ao Ministério da Saúde como prováveis de envenenamento pela substância química altamente tóxica após as vítimas consumirem bebidas alcoólicas também são investigados, dos quais 39 em São Paulo. Em Pernambuco, outras três mortes suspeitas por metanol foram notificadas ao ministério e seguem em investigação.

A crise de falsificação de bebidas alcoólicas com metanol estourou com tudo nesta semana, mas não nasceu da noite para o dia. Em abril, quase seis meses antes das primeiras mortes por metanol serem confirmadas, a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) divulgou os dados de uma pesquisa interna com seus associados e já fazia um alerta grave, que passou sem chamar a atenção da opinião pública e da imprensa: até 36% de todas as bebidas alcoólicas vendidas e consumidas no Brasil eram alvo de fraudes, incluindo grande volume de bebidas falsificadas, adulteradas ou contrabandeadas.

De acordo com o relatório do Núcleo de Pesquisa e Estatística da Fhoresp, os produtos mais afetados com a prática criminosa são vinhos e destilados. A pesquisa trouxe ainda outro alerta importante: uma a cada cinco garrafas de vodca vendidas no Brasil é falsificada. Para a entidade, que representa 500 mil empresas paulistas entre hotéis, bares, restaurantes, lanchonetes e padarias, e mais de 20 sindicatos patronais, é preciso que as autoridades coloquem em prática ação articulada que desmantele o esquema das falsificações.

Uma a cada cinco garrafas de vodca vendidas no Brasil é falsificada, aponta federação paulista.

“A Federação está acompanhando com muita atenção os casos de intoxicação, possivelmente por metanol, divulgados pela mídia nos últimos dias”, afirma à Gazeta do Povo o diretor-executivo da entidade, Edson Pinto. “É importante salientar que a grande maioria dos negócios do ramo de bares e de restaurantes age de forma correta e, também, se torna vítima ao receber produtos adulterados de fornecedores.”

De outro lado, há quem compactue com ilegalidades, acrescenta o diretor-executivo. “Há seis meses, já havíamos alertado o mercado sobre a prática, por meio de um levantamento que nos apresentou porcentagens assustadoras de fraude. Se as autoridades não agirem firmemente, este esquema, que agora está colocando também vidas em risco, não chega ao fim nunca”, afirma ele.

Na opinião do diretor-executivo da entidade, os números demonstram que há um grande esquema de adulteração em larga escala em território nacional. “Pessoas estão sofrendo com sequelas gravíssimas. É preciso que o Estado e demais órgãos de fiscalização tenham um controle maior sobre a distribuição das bebidas, a fim de assegurar aos consumidores e aos estabelecimentos a procedência dos produtos”, cobra Edson Pinto.

Falta de controle e crime organizado

Para a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), o problema não é novidade e a crise do metanol que agora envolve mortes estaria ligada ao crime organizado e à falta de controle da produção e distribuição das bebidas alcoólicas por parte do poder público. “Desde o desligamento do Sicobe, sistema de controle de produção de bebidas que era operado pela Receita Federal e pela Casa da Moeda do Brasil, os volumes de bebida falsificadas no país aumentaram muito, em bilhões de litros, bem como a sonegação fiscal advinda dessa atividade criminosa”, afirma a entidade em nota divulgada nesta semana.

“Somente com a retomada da rastreabilidade de produção que era efetuada pelo Sicobe será possível combater de maneira mais efetiva a atuação do crime organizado no setor, a falsificação, a lavagem de dinheiro, a sonegação de tributos e principalmente, mitigar os prejuízos à saúde dos consumidores”, pede a associação.

Em resposta publicada em seu site, a Receita Federal diz que a correlação entre a crise do metanol nas bebidas e a desativação do sistema de controle é falsa. “O controle de destilados, como vodka, gin, whisky etc. é usualmente feito pela utilização de selos, que não têm relação, nem se confundem com o Sicobe. O Sicobe controlava, preponderantemente, refrigerantes e cervejas”, diz a Receita no comunicado.

“O religamento do sistema está sob análise do Supremo Tribunal Federal, que concedeu liminar em sede de Mandado de Segurança, reproduzindo, entre outros, constatação da área técnica do TCU que concluiu pela ausência de ilegalidade do ato declaratório da Receita e pela necessidade de descontinuação do Sicobe.”

A ABCF também aponta indícios da participação de facções criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital) na falsificação das bebidas. “O fechamento nas últimas semanas de distribuidoras e formuladoras de combustível diretamente ligadas ao crime organizado, que importam metanol de maneira fraudulenta para adulteração de combustíveis, conforme já comprovado por investigações do Gaeco do MP-SP, podem ser a causa dessa recente onda de intoxicações e envenenamentos de consumidores que ao tomar bebidas destiladas em bares e casas noturnas, apresentaram intoxicação por metanol”, afirma o comunicado público da entidade.

“Ao ficar com tanques repletos de metanol lacrados e distribuidoras e formuladoras proibidas de operar, a facção e seus parceiros podem eventualmente ter revendido tal metanol a destilarias clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas, auferindo lucros milionários em detrimento da saúde dos consumidores”, diz a ABCF.

PF entra na investigação de mortes por metanol

A Polícia Federal anunciou na terça-feira (30) que vai investigar o caso, já que há indícios de que o crime atinge mais de um estado brasileiro, com a participação de facções criminosas nacionais. Em entrevista coletiva também na terça-feira, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), no entanto, afirmou que até o momento as investigações da Polícia Civil de São Paulo não trazem evidências do envolvimento do PCC com o caso, mas ainda não há uma conclusão nem foram apontados culpados.

“Essa pirataria de bebidas já causou cegueiras e mortes e significa, mais uma vez, a ineficiência do Estado, nas suas diferentes esferas, na fiscalização preventiva, para prevenir danos à vida, à saúde e à segurança dos consumidores”, afirma à Gazeta do Povo Arthur Rollo, advogado especialista em Direito do Consumidor, ex-secretário Nacional do Consumidor no Ministério da Justiça e ex-presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria.

Quem serve bebida falsificada responde, independentemente da existência de culpa, pelos danos à saúde dos consumidores. 

O especialista explica que cabe ao Ministério da Agricultura e Agropecuária regular e fiscalizar a produção e a comercialização das bebidas destiladas no Brasil. Bebidas importadas são fiscalizadas pela Receita Federal e também devem ter registro no Ministério da Agricultura e Agropecuária.

“Por absoluta falta de fiscalização desses órgãos, bebidas destiladas piratas têm sido comercializadas clandestinamente, de porta em porta, sem a emissão de notas fiscais e sem a rastreabilidade, que previne danos à vida, à saúde e à segurança dos consumidores e que, nos casos de danos, possibilita a responsabilização daqueles que as comercializaram”, afirma o advogado.

Rollo sugere uma parceria imediata dos produtores das marcas falsificadas com as associações de bares e restaurantes, para distinguir as bebidas falsificadas daquelas de boa qualidade, porque afinal de contas a responsabilidade dos fornecedores que servem essas bebidas é objetiva, nos casos de danos à saúde dos consumidores. Quem serve bebida falsificada responde, independentemente da existência de culpa, pelos danos à saúde dos consumidores.

Morte e cegueira

O Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox) de Campinas, em São Paulo, confirmou a presença de metanol em amostras de bebidas apreendidas pela polícia e analisadas. O metanol é um tipo de álcool altamente tóxico. Uma única dose pode resultar em visão turva, dor abdominal, tontura, náusea e convulsão.

Pode ainda causar danos irreversíveis no cérebro, no fígado e no nervo óptico, além de causar a morte. A substância química não tem cheiro e é incolor, e sua presença só pode ser detectada por análises químicas feitas em laboratório.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública emitiu uma recomendação urgente aos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas no estado de São Paulo e em regiões próximas. Deve ser prioridade a compra segura, com conferência e rastreabilidade dos produtos. O documento recomenda atenção a itens com lacres tortos, erros evidentes de impressão e preços atipicamente baixos.

Caso algum cliente manifeste sintoma suspeito, como os descritos acima, após consumir bebidas do local, a recomendação é que os estabelecimentos encaminhem para atendimento médico urgente e acionem o Disque-Intoxicação. Também é necessário comunicar Vigilância Sanitária, Polícia Civil, Procon, Ministério da Saúde (no caso dos hospitais) e o Ministério da Agricultura e Pecuária.

Em caso de qualquer suspeita, os estabelecimentos comerciais devem interromper a venda do lote da bebida em questão, isolar os produtos e preservá-los para uma eventual perícia. O documento do ministério é direcionado a bares, restaurantes, casas noturnas, hotéis, organizadores de eventos, mercados, atacarejos, distribuidoras, plataformas de comércio eletrônico e aplicativos de entrega. 

De acordo com o anuário da falsificação da ABCF 2025, o setor de bebidas foi o mais prejudicado pelo mercado ilegal no último ano, com perdas estimadas em R$ 88 bilhões, sendo R$ 29 bilhões em sonegação de tributos e R$ 59 bilhões restantes de perdas de faturamento das indústrias que sofrem com tais fraudes e falsificações.

Fonte: Gazeta do Povo

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