A Justiça deu o prazo de 90 dias para que a Polícia Militar de Santa Catarina se manifeste sobre o fim do uso de câmeras corporais. A prática de usar os dispositivos acoplados aos uniformes foi encerrada em setembro de 2024, após recomendação do Estado-Maior da PM catarinense, o que motivou uma ação da Defensoria Pública do Estado (DPE-SC) e um inquérito do Ministério Público (MP-SC).
Reunidos em audiência conciliatória na última sexta-feira (26), a DPE, o MP-SC, a PM e o governo de Santa Catarina fecharam acordo para que o estado apresente em seis meses conclusões sobre a possibilidade de retomar o sistema de monitoramento. Além disso, a PM se comprometeu a manter a integridade dos equipamentos até uma nova decisão.
Durante a sessão na 2ª Vara da Comarca da Capital, a Defensoria Pública apresentou dados de pesquisa feita no início de setembro, a partir de 90 processos judiciais envolvendo PMs. Do total, 46% mencionaram registros em vídeos gravados pelas câmaras corporais. Desses, em 76% dos casos as imagens serviram como elemento de prova e, em 62,5%, foram usadas para absolvição dos agentes assistidos pela DPE.
O promotor Rodrigo Cunha Amorim, da 6ª Promotoria de Justiça, defendeu que as câmaras corporais são instrumentos que se alinham às próprias funções policiais, ao conferirem respaldo e segurança aos agentes. “Os registros capturados por meio dos equipamentos servem como meio probatório para legitimar as ações policiais, afastando argumentos junto à Justiça que possam reverter prisões de criminosos de alta periculosidade, por exemplo”, explicou Amorim.
Procurada pela reportagem da Gazeta do Povo, a assessoria de imprensa informou que “a PMSC não irá se manifestar, mas estará à disposição dos órgãos para qualquer esclarecimento necessário, conforme o acordo estabelecido”.
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Iniciativa para uso de tecnologia partiu da própria PM
A PM de Santa Catarina foi uma das pioneiras no país a implementar o uso de câmeras corporais na farda. Em 2018, o Comando-Geral da corporação encaminhou projeto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) para que os valores obtidos em penas que têm um pagamento em dinheiro como punição (prestações pecuniárias) fossem aplicados na aquisição dos equipamentos.
A proposta era que as câmeras qualificassem o conjunto probatório, protegessem os policiais militares de falsas acusações, aumentassem a transparência e a fiscalização do uso da força, além de inibir a reação das pessoas. Na época, o TJ-SC disponibilizou R$ 6,4 milhões para o programa, mas a PM utilizou a metade desse valor para a compra de 2.245 aparelhos.
O uso das câmeras corporais pela PM catarinense fez parte de um estudo do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O experimento comparou grupos de agentes com e sem o dispositivo e demonstrou que houve uma redução de 61% no uso da força pelos policiais militares e um aumento de 69% no registro de casos de violência doméstica.
O resultado da pesquisa, que destacava a atuação da polícia catarinense como referência quanto ao uso dos aparelhos na farda, foi divulgado dois meses antes de o Estado-Maior da PM-SC recomendar a suspensão do programa. O despacho, assinado em 9 de setembro de 2024, determinou:
- recolhimento e baixa de todas as câmeras;
- estudo para soluções mais adequadas “aos interesses institucionais e à preservação da ordem pública” (remoção da repetição);
- busca por alternativas de financiamento para um novo programa de monitoramento.
O documento foi o principal objeto da audiência conciliatória da semana passada, onde ficaram estabelecidos os prazos de 90 dias para que a Polícia Militar apresente o estudo do item 2 e 180 dias para que o estado conclua a busca por alternativas anunciadas pelo item 3.
A justificativa da PM de Santa Catarina para suspender o uso das câmeras corporais no ano passado está relacionada a questões financeiras e operacionais, como a falta de manutenção pela empresa que forneceu a tecnologia. A Ditec, responsável pelos aparelhos, informou em nota que fez manutenção preventiva e corretiva de 2022 até o fim do contrato, em setembro de 2023, mas foi a PM-SC que não quis renovar.
Normas sobre uso de câmera na farda da PM começam a ser derrubadas no Congresso
O Ministério da Justiça emitiu normas para reforçar o uso de câmeras corporais nas forças policiais em maio de 2024. Uma semana depois de a portaria ser publicada, quatro projetos de decretos legislativos (PDLs) passaram a tramitar na Câmara dos Deputados para sustar os efeitos. Um deles foi aprovado na Comissão de Segurança Pública no dia 12 de agosto deste ano.
A proposta, que deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser apreciada pelo plenário da Casa e levada ao Senado Federal, tem como autor o deputado Alberto Fraga (PL-DF) e prevê a suspensão de duas normas:
- as diretrizes sobre o uso de câmeras corporais pelos órgãos de segurança pública;
- os requisitos técnicos mínimos de hardware e software.
O relator da proposta, deputado Sargento Portugal (Podemos-RJ), afirmou que o Executivo ultrapassou sua competência ao regulamentar um tema que, segundo ele, deveria ser definido por lei. “No âmbito da segurança pública contemporânea, o uso de tecnologias e equipamentos modernos é tema fundamental e de grande relevância para o aprimoramento de políticas públicas da área. Contudo, as medidas a serem tomadas precisam seguir a legalidade e os preceitos constitucionais, sob pena de, em nome de um bem maior, serem usurpados os pilares do nosso Estado de Direito”, defendeu.
Para as forças estaduais, as diretrizes são voluntárias, mas seu cumprimento permite que o estado receba recursos a mais do governo federal.
A diretriz do governo federal prevê uma série de situações em que a ativação das câmeras corporais é exigida dos policiais, incluindo escolta de presos, patrulhamento ostensivo e intervenções em presídios. “O uso das câmeras pelos agentes representa um salto civilizatório no que diz respeito à garantia dos direitos fundamentais”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, durante o lançamento das novas diretrizes.
Os efeitos das normas contestadas são obrigatórios para membros das forças de segurança da União, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Força Nacional, mas não para os estados. Para as forças estaduais, as diretrizes são voluntárias, mas seu cumprimento permite que o estado receba recursos a mais do Fundo Nacional de Segurança Pública.
Fonte: Gazeta do Povo